A resistência de indígenas contra a expansão urbanista do Setor Noroeste, espaço transcendente de Brasília, se deve aos riscos que os empreendimentos podem originar para os moradores das cinco aldeias da região.
Segundo o cacique Álvaro Tucano, uma das lideranças locais, o conflito entre policiais militares e indígenas ocorrido terça-feira (15) é mais uma exemplar do desrespeito histórico praticado contra os povos originários do Brasil.
“Passam mais uma vez por cima de indígenas porquê se fôssemos invisíveis. Isso acontece desde a chegada de Pedro Álvares Cabral. Seja para a exploração de nossas riquezas, seja para especulação imobiliária”, disse à Filial Brasil a liderança indígena sítio, cacique Álvaro Tucano.
Ele lembra que o sítio é habitado por indígenas antes mesmo da construção da capital federalista. “Não somos nós os invasores. Nunca fomos e não seremos”, acrescentou.
A situação é bastante preocupante, segundo Álvaro Tucano. Ele diz que, por ser na capital do país, o caso representa um alerta sobre as muitas invasões de terras indígenas que têm ocorrido no país, “apesar dos avanços recentes que tivemos ao colocar uma indígena chefiando a Funai”, disse ele referindo-se à Instauração Pátrio do Índio, presidida por Joenia Wapichana.
“O Brasil está violando direitos assegurados pela Constituição e acordos internacionais dos quais ele é subscritor. Isso acontece não só cá em Brasília. Sempre aconteceu em diversas outras regiões do país. Veja o caso dos yanomami. E também o dos pataxó na Bahia; com os guarani kaingang no Paraná. Veja a violência praticada contra os indígenas em Mato Grosso do Sul”, citou a liderança indígena.
“O Brasil nunca terá psique limpa tendo sangue sujo em suas mãos”, acrescentou esta quarta-feira (16) .
Desocupação
Na terça-feira (15), PMs e indígenas entraram em confronto durante uma operação de desocupação de espaço pública localizada muito próxima às aldeias com integrantes de diversas etnias.
A desocupação da espaço em Brasília foi determinada pela desembargadora Kátia Balbino, da 6ª Turma do Tribunal Regional Federalista da 1ª Região. Na decisão, ela autorizou a Filial de Desenvolvimento do Região Federalista (Terracap), empresa pública voltada à gestão de terras no Região Federalista, no sentido de que tomasse “providências para coibir novas ocupações irregulares na região e dar ininterrupção nas obras de infraestrutura do setor”.
Proximidade perigosa
Em entrevista à Filial Brasil nesta quarta-feira (16), Álvaro Tucano destacou que a espaço em questão, localizada na Quadra 707, está muito próxima às aldeias. Essa expansão urbana, explica o cacique, prejudicará as comunidades indígenas que vivem a poucos metros dali.
“Seremos prejudicados por culpa de ganância e de especulação imobiliária. Por isso, há tapume de dois anos, alguns guajajara montaram acampamento nessa espaço que é uma espécie de fronteira de proteção de nossas aldeias”, explicou o cacique.
Álvaro Tucano vive na povoação Yepá Mahsã, um santuário voltado a atividades de pajés de diversas etnias. Ele explica que, das cinco principais aldeias da região, três já foram demarcadas: uma da etnia Kariri-Xocó, e uma Fulni-ô – além do santuário onde vive o povo Tucano.
Ele acrescenta que uma outra povoação, chamada de Bananal, ainda não foi demarcada apesar de subsistir antes mesmo da construção da capital do país.
Confronto
A liderança criticou a forma porquê a PM chegou ao sítio para executar a preceito de dissiminar os tapume de 20 indígenas que estavam ali. “Eu estava cá e de repente me deparei com policiais jogando bombas, agindo supra da lei e dos direitos humanos.”
Morando no sítio há 15 anos na povoação Teko Haw, Zé Guajajara também vê com preocupação a urbanização das áreas próximas às comunidades indígenas. “Isso colocará em risco nossas famílias. Ficaremos muito vulneráveis, somente para que empresas imobiliárias valorizem seus imóveis”, disse ele à Filial Brasil.
Guajajara foi um dos indígenas que protestaram contra a chegada da PM na terça-feira. “Eu estava cá com minha esposa, minha mãe e as crianças. De repente eles [PMs] chegaram já jogando bombas. Soltei logo um alerta no nosso grupo de WhatsApp, e vieram outros [indígenas] para nos ajudar. Esse caso só reforça o quão importante é termos os limites de nossas áreas respeitados pelos não indígenas”, disse.
“Nós sempre deixamos muito simples que não queremos ocupar a [área da quadra] 707. Somente não queremos que ela seja ocupada por outros, para que não corramos riscos”, acrescentou Zé Guajajara.
Álvaro Tucano diz que são muitas as dificuldades de diálogo com o poder público. “Eu sou uma poder tribal e quero ser respeitado pelas autoridades brasileiras. Quem é mais brasílio do que eu? Eles têm de me ouvir. Não podem machucar meus filhos nem meu povo. Quando não há conciliação, se impõe a força por meio de decisões unilaterais e violentas. Foi isso o que a PM fez cá.”
Obras de infraestrutura
Na decisão apresentada pela desembargadora, autorizando a ação de suporte à Terracap, foi determinada a “proibição de novos ingressos de ocupantes indígenas na espaço [da quadra 707], além de prometer que se prossigam nas obras de infraestrutura locais”.
A Terracap, logo, acionou a Polícia Militar para prometer que a espaço pública se mantivesse desocupada. Ao chegar no sítio, a PM tentou negociar com indígenas que estavam nas proximidades “de um barraco não residencial que deveria ser demolido”.
Foi estabelecido um prazo para o cumprimento voluntário, porém, não houve vitória no diálogo. Os manifestantes passaram a lançar pedras contra os policiais, impedindo a aproximação das equipes.
“Eles também estavam munidos de círculo e flecha, mas não os utilizaram”, informou a PM que, diante da resistência, acionou o Batalhão de Choque e Cavalaria.
Segundo a PM, as equipes cumpriram a dissipação “com técnicas e equipamentos de controle de distúrbios civis”, mas, na sequência, os manifestantes teriam continuado a impulsionar pedras contra as forças de segurança.
De conciliação com o dirigente do núcleo de fiscalização da Terracap, Flávio Mendes, trata-se de uma espaço de aproximadamente 4 hectares destinada a um “projeto urbanista”. Segundo ele, “alguns indígenas estavam começando a ocupar o sítio com duas barracas para caracterizar posse”.