Apesar da polêmica, o Quotidiano Solene de São Paulo publicou nesta terça-feira (15) uma lista de 35 escolas públicas estaduais aprovadas, em segunda rodada, a aderirem ao protótipo cívico-militar. O edital ainda prevê a realização de uma terceira rodada, prevista para ser realizada entre esta terça-feira e quinta-feira (17).
A lista divulgada pelo governo paulista inclui uma escola na capital, quatro na região metropolitana e duas no litoral. As demais são do interno do estado.
Somente no dia 25 de abril, em seguida a realização das três rodadas de consulta pública, é que o governo paulista anunciará as escolas selecionadas para o Programa das Escolas Cívico-Militares do Estado de São Paulo, com início previsto para o segundo semestre deste ano. Segundo o governo paulista, o investimento nas escolas cívico-militares será o mesmo já previsto nas unidades regulares.
Críticas
O protótipo é polêmico e recebe muitas críticas. Mas o governador Tarcísio de Freitas defende a sua implantação, negando que o projeto seja ideológico.
A Secretaria Estadual da Instrução garante que os militares não vão atuar em sala de lição e nem ocupar os cargos dos profissionais da ensino, atuando somente “no protecção e preparo dos alunos na ingressão dos turnos, no pausa das aulas e nos períodos de fecho dos turnos”. A secretaria diz ainda que os militares vão colaborar “nos projetos educativos extraclasses e na procura ativa dos alunos”.
O protótipo paulista se inspirou em projeto do governo de Jair Bolsonaro, que previa que os militares atuariam na gestão escolar e educacional. Mas logo que assumiu o governo federalista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revogou o protótipo por decreto.
A revogação foi defendida, na ocasião, pelo Movimento Todos pela Instrução.
“O formato do Programa Pátrio de Escolas Cívico-Militares – instituído no governo Bolsonaro – era um protótipo pedagógico equivocado e excludente. O protótipo militarizado de escolas deveria ser restrito às escolas das Forças Armadas, para jovens que desejam esse tipo de formação e curso, com militares que tiveram formação no campo educacional”, argumentou o movimento.
Ainda segundo a entidade, “a construção do programa também demonstrava uma visão distorcida das prioridades na ensino pública brasileira, com meandro de foco, de tempo e de recursos públicos. Portanto, a atual gestão do Ministério da Instrução acerta ao indicar o fecho do programa, respeitando a autonomia dos estados e considerando que essas escolas estão atualmente funcionando, com alunos que não podem ser prejudicados”.
Apesar da revogação, o governo paulista tem insistido nesse protótipo, provocando muitos questionamentos. No ano pretérito, por exemplo, a Procuradoria Federalista dos Direitos do Cidadão encaminhou um documento à Procuradoria-Universal da República afirmando que o protótipo de militarização das escolas civis do governo Tarcísio não encontra esteio na Constituição Federalista e na Lei de Diretrizes e Bases da Instrução Pátrio, que regulamenta o ensino no país.
De convénio com o parecer, o protótipo que pretende ser adotado pelo governo paulista afrontaria os princípios constitucionais da liberdade de pensamento, da valorização do profissional da ensino e da gestão democrática da escola.
“À luz dessas disposições constitucionais, verifica-se a incompatibilidade do projeto de militarização de escolas civis com os direitos à intimidade, à vida privada e à liberdade de sentença, de pensamento, de consciência sátira e com o pluralismo de ideias, haja vista o transe de cerceamento ao livre desenvolvimento de crianças e adolescentes, tal qual processo de formação da própria personalidade demanda próprio proteção do Estado, sem que se imponham visões de mundo ou exigências de adequação a modelos definidos unilateralmente”, diz o subprocurador-geral da República Nicolao Dino Neto no documento.
Também no ano pretérito, a Advocacia-Universal da União (AGU) ofereceu ao Supremo Tribunal Federalista (STF) um parecer em prol da inconstitucionalidade do protótipo de escolas cívico-militar pretendida pelo governador Tarcísio.
No documento, a AGU sustenta que os estados não podem instituir protótipo educacional que não esteja previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Instrução. Outrossim, o órgão acrescenta que a Constituição também não prevê que militares possam praticar funções de ensino ou de base escolar.
“A alocação de militares da suplente para a realização de atividades relacionadas à ensino básica fora do sistema de ensino militar formal, ainda que na quesito de base ou monitoramento, não encontra respaldo nas normas fundamentais do sistema educacional brasílio, nem previsão patível com a finalidade constitucional dessas instituições”, concluiu a AGU.
Em visitante ao Brasil de 30 de março a 7 de abril, o relator próprio para a Promoção da Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não-Repetição, da Organização das Nações Unidas (ONU), Bernard Duhaime, manifestou preocupação com a adoção desse protótipo cívico-militar nas escolas brasileiras.
“Informaram-me ainda que, durante o governo anterior, foi adotada uma política de ‘escolas cívico-militares’, segundo a qual algumas escolas públicas e privadas mudaram de gestão para serem dirigidas por militares que impõem práticas militares e às vezes ministram aulas a estudantes civis, levando a uma preocupante militarização da ensino. Embora a política tenha sido dissolvida pela atual governo, as escolas que mudaram de gestão não foram reconvertidas para o protótipo de gestão cívica”, observou o representante da ONU.